Sua opinião sobre você importa mais do que a verdade.
O autoconhecimento é o único lugar em que essa máxima impera.
Nesse final de semana eu assisti ao Top Hit do momento, Adolescência. A série se passa na Netflix e traz uma poderosa crítica sobre temas tão importantes quanto o mundo digital, a fragilidade emocional dos 13 anos e a importância de uma parentalidade responsável e presente. O papo de hoje não é sobre a trama, mas foi inspirado em uma fala no 3º episódio. Se você não assistiu ainda, não se preocupe porque não será um spoiler relevante.
A cena acontece no contexto de uma sessão de terapia entre um menino e uma profissional. O diálogo se desenrola assim:
Psicóloga: Você acha que as meninas se atraem por você?
Menino: Não, claro que não.
Psicóloga: Por que não?
Menino: Porque eu sou feio.
Psicóloga: Como isso te faz sentir?
Menino: Você não vai negar?
Psicóloga: Minha opinião não importa. […] estou interessada no motivo pelo qual você se sente feio.
Menino: Sim, eu sou fascinante.
Psicóloga: Estou interessada porque o que você acha é mais importante do que a verdade.
Pronto. Alugou um triplex na minha cabeça e espero que na sua também. Eu já havia levantado esse tema por aqui em alguns papos anteriores, mas nunca de forma tão explícita, então aí vai:
Quando se trata de autoconhecimento, a sua opinião importa mais do que a verdade.
Talvez você, assim como o menino, se ache feio/a. Mas talvez a opinião sobre si seja mais subjetiva, menos sobre parecer e mais sobre a forma de ser. Talvez se ache preguiçoso/a, incapaz, indisciplinado/a, desfocado/a, vítima, medroso/a, … e é aí que mora o perigo. Porque quando você condiciona sua forma de ser a uma imagem negativa, a próxima coisa que você fará é provar que a sua opinião está certa.
Uma pessoa que se acha feia talvez nunca se permita se cuidar, ser vaidosa, fazer coisas que a façam se sentir melhor em relação à sua aparência Uma pessoa que se considera preguiçosa dificilmente assume compromissos que a façam agir, sair da zona de conforto, se superar. Alguém que se sente vítima raramente vai tomar as rédeas da própria vida. Isso acontece porque: queremos provar estar certos.
Queremos provar que o que pensamos de nós mesmos é verdade.
Ainda que esses pensamentos sejam negativos (quase sempre são), nós sentimos uma enorme necessidade de ser fiel a eles. Eu chamo essa atitude de coerência narrativa, que nada mais é do que agirmos de forma coerente com a história que contamos. Esse é um dos grandes princípios da autossabotagem.
Você vai agir de acordo com o que pensar de si.
Isso significa que você, literalmente, molda a sua realidade de diversas maneiras. Você filtra as oportunidades que sente merecer. Você direciona as suas decisões ao seu lugar que lhe é familiar. Você age a partir do que espera ou sempre esperou de si.
MAS (!) o caminho para sairmos desse buraco não é:
» afirmações positivas em frente ao espelho para mudar como se vê;
» mentalizações e meditações se imaginando ser a pessoa que você quer ser;
» muito menos fingir ser uma pessoa que você não é.
Tudo isso acima pode, inclusive, piorar o cenário - se você sentir que está mentindo para si ou para os outros. A única maneira possível para trabalharmos uma opinião negativa que temos sobre nós mesmos é: agir como a pessoa que quero ser, não como a pessoa que me sinto hoje, e acreditar que podemos mudar nosso comportamento.
Quais são as atitudes de uma pessoa realizada?
Quais são as atitudes de uma pessoa corajosa?
Quais são as atitudes de uma pessoa que se sente bem na própria pele?
Mapeie os adjetivos negativos que você usa para se descrever e, antes de mais nada, perceba como suas ações atualmente reforçam esse pensamento. Depois disso, comece a listar atitudes de pessoas com características opostas. Será mesmo que essas atitudes estão indisponíveis para você, ou são apenas uma limitação da sua mente?
Se você se considera uma pessoa indisciplinada, se pergunte: o que uma pessoa disciplinada faz? Liste essas principais atitudes e decida viver assim por algum tempo mesmo que isso te cause algum desconforto. Esse desconforto pode ser especialmente doloroso quando se trata de uma identidade que você está tentando se desvencilhar. Porque, de novo, nosso cérebro está muito apegado à imagem que construimos de nós mesmos.
Tudo isso diz respeito a um dos pilares da autoestima, que se chama autoconceito. É o conceito que você tem de si. O conjunto de pensamentos e definições que você atribui a você. Assim como o adolescente do filme, que tem a ilusão de que a opinião da terapeuta é mais importante do que a dele própria, você também pode achar que a opinião dos outros ou “a verdade” sobre você é o que define a sua vida. Mas não é. Sua experiência de vida tem uma enorme influência em como você se vê - e, a partir disso, em como se comporta.
Boa semana pra nós :)
Charis